sexta-feira, 12 de março de 2010

Aliados: ajudantes improváveis?

Ao longo de minha história como DM e jogador em várias campanhas de AD&D, os aliados como escrito nos livros básicos nunca foram um elemento muito presente. Nas inúmeras campanhas que joguei, muitos poucos se importavam em procurá-los e se darem o trabalho de mantê-los. Lembro uma vez de ter feito tal proeza com meu clássico guerreiro Ismail, ao salvar uma menina de uma vila atacada por orcs e tê-la adotado e treinado como espadachim. Mas isso costumava ser a exceção, não a regra. Creio ter sido esta a experiência que me marcou, e depois de anos como DM, também nunca deu pensamentos relevantes a eles. O curioso é que muitos grognards e novos conversos tem opiniões conflitantes sobre o tema.

Nas explorações do lendário castelo Greyhawk, o personagem de Robert J. Kuntz, o infame Lorde Robilar, uma vez poupou um usuário mágico ao encontrá-lo numa das câmaras da masmorra. Esse usuário, Otto, um personagem até hoje famoso pelos amantes do cenário Greyhawk, era de fato um aliado npc de Robilar! Só posso imaginar o que teria acontecido caso Kuntz não tivesse intercedido e o destino de Otto fosse o mesmo que a maioria dos adversários numa masmorra, a espada. Com certeza a “dança irresistível de otto” poderia ser algo completamente diferente hoje em dia.
Vendo essa história, não consigo parar de me perguntar o porque da maioria dos DMs não darem atenção aos aliados. Com certeza a inclusão desse personagem enriqueceu em muito a campanha de Gary, um objetivo que é o Santo Graal de todo mestre. Contudo, ao ver a evolução do termo ao longo dos livros básicos e o subsequente desuso desse recurso, podemos tirar uma série de conclusões, como irei mostrá-las abaixo.
Muito disso tem relação com a função do carisma como originalmente visualizada. Ao contrário da crença popularizada o carisma não era pra ter um impacto muito grande nas interações sociais. A primeira reação, que muitos reconhecem como o teste de reação, era influenciada, mas depois disso o jogador estava pela própria conta. Mantendo-se verdadeiro ao espírito Old School, sucesso ou não nestes casos dependiam mais da vontade, criatividade e interesse do jogador, e não de algum rolamento de dados baseado no atributo. Procurando o real conceito de carisma na mentalidade medieval, ele era considerado uma benção divina (“Carismata”) que permitia liderar os homens normais. Por isso que no início, carisma mantinha uma relação mais profunda com a liderança, o teste de lealdade e número de seguidores, do que com empatia.
Das definições dos aliados nas diferentes edições, podemos entender muito do que aconteceu ao longo dos anos. No OD&D, no livro Men & Magic, temos o seguinte sobra carisma e aliados:
“(about charima)Its primary function is to determine how many hirelings of unusual nature a character can attract. This is not to say that he cannot hire men-at-arms and employ mercenaries, but the charisma function will affect loyalty of even these men.” (Sua função primária é determinar quantos mercenários de origem incomum o personagem pode atrair. Isso não quer dizer que não se pode contratar homens-de-armas ou usar mercenários, mesmo o carisma influenciando a lealdade desses homens.)
E também:
“Finally, the charisma will aid a character in attracting various monsters to his service.” (Finalmente, o carisma vai ajudar o personagem a atrair vários monstros para seu serviço.)
Como vemos, em poucas linhas vemos que o objetivo de incluir o carisma como atributo básico de personagens está intimamente ligado ao conceito medieval. E até faz menção ao uso dos próprios monstros como aliados do grupo (!). Sabendo que o OD&D nasceu dos wargames, podemos verificar que muitos dos heróis dessa época eram incentivados a manter pequenos exércitos de mercenários e seguidores.
Já na 1° edição do Advanced, o conceito foi refinado e temos as seguintes palavras sobre aliados:
“A henchman is o more or less devoted follower of a character.”(Um aliado é mais ou menos um dedicado seguidor de um personagem)
“The alignment of o henchman should be compatible with that of the player character whom he or she serves.”(O alinhamento de um aliado deve ser compatível com o do personagem jogador ao qual serve)
“It will usually be necessary for your character to visit various inns and drinking establishments in search of henchmen”… “Once a henchman is brought into your character’s service, it will be necessary to pay a wage plus support and upkeep”… and “Assuming the character has above average charisma, he or she could be somewhat less than generous in remuneration and still have henchmen with about average loyalty.”(Será normalmente necessário para o personagem na procura de um aliado a ida a diversos estabelecimentos como tavernas… uma vez o aliado fazendo parte do serviço de um personagem, será necessário pagar um soldo, mais o suporte e custo de vida… Assumindo que o carisma do personagem seja acima da média, ele poderá ser um pouco menos generoso na remuneração e ainda assim ter um aliado de lealdade alta.)
“Experience awarded to henchmen is usually much less than that which would be given to a player character.” (A experiência conquistado de um aliado é usualmente bem abaixo daquela que um personagem jogador receberia)
Já temos uma evolução razoável de como lidar e incluir aliados na campanha, inclusive com uma sugestão interessante de como atraí-los e reforçando o efeito do carisma sobre a lealdade deles. É também dito que a sua lealdade está ligada a um personagem único da campanha, que compartilham alinhamentos, ou seja, cada jogador é responsável por arregimentar e manter seus respectivos seguidores.
As seguir estão as primeiras palavras sobre seguidores no DMG da 2º edição:
“However, knowing that henchmen are useful and playing them properly are just not the same. Misused and abused henchmen can quickly destroy much of the fun and challenge of a campaign” (Contudo, saber sobre sua utildade e representá-los bem não é a mesma coisa. Aliados mal usados podem destruir a diversão e desafio da campanha)
Acho que as palavras acima só vem reforçar o que parece ser o principal motivo de muitos grognards em não usar aliados numa campanha: eles são uma arma de um personagem jogador contra outro. Conflito dentro do grupo, indisposição e antagonismo só tendem a piorar com a inclusão de aliados, teoricamente.
Apesar de achar que esse conflito é uma coisa que todo mestre teme em sua campanha, não acredito que os aliados reforçem essa mentalidade. Acredito que ao ter um grupo desse naipe, qualquer coisa seria usada como arma entre os jogadores, o que torna essa desculpa redundante. Os aliados sim tem muito a oferecer para um grupo que esteja disposto a encarar o mundo de D&D como foi concebido: um lugar perigoso onde somente a cooperação e respeito as habilidades do próximo garantem a sobrevivência.
Além disso, existem várias vantagens desses pdms “jogadores”. Eles podem ser aquela ajuda extra para uma aventura muito difícil, ser um bom veículo para avançar o roleplay, servir como substitutos temporários para o caso da morte de um pdj. Aliás, é dito em vários lugares que o jogador deveria ter um grande controle sobre as ações de seu aliado, mantendo controle de sua ficha e tudo, só o perdendo em momentos onde a coerência do personagem e da campanha estiverem comprometidos. Muita gente vê isso como manter dois, ou mais, personagens ao mesmo tempo, e muitos jogadores abominam esa idéia. Entretanto, isso não é inteiramente verdade. Um compromisso simples seria o DM continuar interpretando o personagem em interações sociais com os jogadores enqaunto que o dono do aliado tem controle sobre suas ações em situações de risco, como o combate.
Existe até uma outra utilidade dos aliados facilmente esquecida. Muitos jogadores gostariam de testar outras classes ou raças de personagens, mas temem perder o seu principal, o qual dedicaram grandes somas de tempo e energia. E ainda correrem o risco de  se arrependerem da escolha. Isso se resolve facilmente introduzindo um aliado no serviço desse pdj, e dessa forma o jogador pode observar e “matar” sua vontade de conhecer essa classe ou raça sem atrapalhar a campanha. E como essa relação costuma se materializar numa entre “mestre e aprendiz”, tanto melhor para se ter um persoangem já desenvolvido numa próxima campanha que tenta manter o legado de seu mentor.
Pensando nessas coisas, estou reformulando minha postura com relação aos aliados e dár-lhes um espaço maior sob os holofotes. Exemplos na história e na ficção sobre alianças desse tipo que deram certo (pelo menos no quesito drama) não faltam: César e Marco Antônio, Augusto e Agripa, Alexandre e Heféstion (pois é…), Arthur e Lancelot, Robilar e Otto, entre outros. Além disso tudo, um aliado é uma boa desculpa para se criar um vilão que o jogador vai amar odiar, pois o negócio será pessoal, uma proeza difícil de conseguir com um antagonista já criado com esse intuito. Diferenças de ideologia, ou de alinhamento, podem fazer dois amigos inseparáveis estarem em campos opostos no campo de batalha, e pode ter certeza que essa será uma campanha lembrado pelos anos vindouros.
Ao compartilhar essas idéias com você leitor, espero também motivá-lo a repensar o impacto e função dos aliados, mercenários e seguidores em sua campanha e talvez dár-lhes uma outra chance, dessa vez sabendo o que pode ser feito para darem certo.
Até o próximo post.

6 comentários:

  1. Numa velha campanha minha de AD&D, o fighter lider do grupo (o único personagem sobrevivente desde a primeira formação do grupo) comprou um feudo (sim, em dinheiro!) e andava pra cima e pra baixo com seu séquito de arqueiros. Era bem legal a interação dele como aventureiro e senhor feudal, e não atrapalhava em nada o jogo. Muito pelo contrário, criava situações que de outra forma não existiriam.

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  2. otimo post! sabiam q o Melf tb era um henchman? na hora de escolher o nome, Ernie (um dos filhos de Gygax) simplesmente colocou M. (de "male") Elf (ou seja, "Elfo Macho", eheh). Depois, o pc dele morreu e ele acabou adotando o Melf.
    Sugestao: figuras aliviam a aaprencia do texto, deixando-o mais facil aos olhos ;)

    abraço

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  3. Bom, nos meus tempos de quando jogávamos Ad&d no forte, ainda tentei arranjar um aliado, quando joguei com o guerreiro Lucas e paguei para que ressucitassem um elfo que estava ajudando numa missão pra impedir que os orcs atacassem a terra dos vales.

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  4. Oi, adorei o texto. Carisma é um atributo de difícil compreensão pelas pessoas, que tendem a minorá-lo.

    Já sobre os aliados, que tendem a ser tratados como buchas de canhão, acho q isto depende um pouco das campanhas também. Se a crônica é rápida, os jogadores não vão querer perder tempo "cevando" alguém que será descartado poucas sessões depois.

    Em campanhas longas a coisa é tem + engenharia social.

    AD&D para mim é perfeito neste ponto, onde praticamente obriga a algumas classes atrairem aliados e construirem fortalezas. Isto mundo radicalmente o estilo do jogo, trazendo outro nível de responsabilidades.

    Em uma das mainha, um dos jogadores joga com um rei, e escolher bem os aliados é algo que ele já aprendeu que é importante.

    Outros jogadores que se dedicaram a arranjar bons aliados também subiram na vida. O aliado deve ter nível menor que o jogador, mas isto n quer dizer que seja mais miserável também. O PJ pode arranjar um aliado nobre, que o ajudará de muitas outras formas e também cobrará favores.

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  5. Obrigado pelos comentários. Eu também adorava bancar o general medieval mas muitas vezes era desmotivado pelo desenrolar das campanhas. Na minha mira estão alguns posts sobre carisma também (como bem citado, um atributo facilmente inferiorizado). Abraços

    Obs: Rafael, foi realmente um descuido meu. Eu costumo pensar em gravuras quando o texto fica um pouco longo, mas acabei esquecendo. Vou levar sua dica sempre em consideração, vlw.

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